O entendimento do Evangelho não é simplesmente uma concordância intelectual com verdades bíblicas. Sem dúvida, as verdades que constroem o Evangelho são importantes e não tem como termos um entendimento verdadeiro do Evangelho sem confessarmos proposições bíblicas verdadeiras acerca da obra e da pessoa de Jesus Cristo, da condição do homem, sobre a fé e sobre o arrependimento. Porém, o conhecimento verdadeiro de Deus envolve uma transformação de vida coerente com a natureza da mensagem do Evangelho (Efésios 3.14–19). É sobre essa transformação de vida que estamos tratando ao buscarmos viver uma vida debaixo da “ótica do Evangelho”.
O crescimento na “ótica do Evangelho” é resultado de duas percepções crescentes: da própria pecaminosidade e da santidade de Deus. Ou seja, quanto mais eu reconheço e entendo de minha pecaminosidade e da santidade de Deus, mais eu entendo do Evangelho e sou levado a me apropriar do amor de Jesus e Sua bondade. É esse amor que nos constrange a uma vida diferente, mostrando a grandeza da cruz em nós através de uma vida transformada (2 Coríntios 5.15).
Quando temos uma visão pequena do Evangelho
Uma visão pequena do Evangelho manifesta-se em uma experiência descasada da transformação operada pelo Evangelho; longe “da esperança do evangelho” (Colossenses 1.23), seja por causa de uma visão pequena de nossa própria pecaminosidade, seja por causa de uma visão pequena da santidade divina. Dentro desses dois extremos de distorções da realidade evangélica, existe um espectro de vida incompatível com a “ótica do Evangelho”, manifesta em uma vida marcada pelo fingimento ou numa corrida frenética que confia no desempenho pessoal.
Fingimento: minimizando o pecado
Enxergar o próprio pecado é uma experiência dolorosa. Admitir o próprio pecado é um processo humilhante que custa nosso orgulho que tanto buscamos preservar. Mas diante do pecado, temos dois caminhos: (1) confessar e deixar; ou (2) encobrir (Provérbios 28.13). Uma forma de encobrir é fingir. Quando deixamos de nos apropriar do amor de Jesus e de confiar em Sua justiça, procuramos meios de compensar o que o pecado trouxe à tona fingindo que somos melhores do que realmente somos. De acordo com os autores do livro “A Vida Centrada no Evangelho”, o fingimento “pode assumir várias formas: desonestidade (Eu não sou tão ruim); comparação (Eu não sou tão ruim quanto aquelas pessoas); desculpas (Mas eu não sou assim) e falsa retidão (Olhe quanta coisa boa eu já fiz)”.¹
O fingimento minimiza o pecado, colocando-o em diversas categorias para as quais não têm esperança e que irá impedir você de crescer (mais uma vez, confira Provérbios 28.13). Assim, a solução para o fingimento é reconhecer aquilo que a Palavra de Deus já diz acerca de nós mesmos: somos pecadores (Romanos 3.23). “Confessar e deixar” o pecado irá lhe colocar no caminho da misericórdia, entendendo que o preço que você paga em seu orgulho não se compara ao alto preço já pago por Jesus que nos garante desfrutar de Seu amor transformador.
Desempenho: minimizando a santidade de Deus
Quanto tempo demora para conhecermos o Deus infinito? Bom, a humilhante resposta para essa pergunta é a eternidade. Somos sempre carentes de conhecer a Deus e passaremos toda a vida eterna conhecendo mais de Deus (João 17.3). Porém, é possível e triste estacionarmos em nosso conhecimento de Deus. Em particular, deixarmos de crescer no conhecimento da santidade de Deus irá nos levar a uma perspectiva limitada do Evangelho. Essa experiência é aquilo que o apóstolo Pedro chama de “esquecimento da purificação dos pecados” (2 Pedro 1.9), evidenciado por uma vida sem transformação nem presença das virtudes cristãs.
A santidade de Deus é o atributo que unifica todos os demais atributos divinos, expressa em Suas ações e que O coloca numa posição separada de tudo e todos.² Assim, deixarmos de crescer em nosso conhecimento da santidade de Deus irá nos levar à conclusão de que Seus mandamentos e padrões podem ser alcançados por nosso desempenho pessoal. Passamos a buscar alcançar as expectativas de Deus como se fosse possível supri-las de forma minimamente satisfatória e de alguma forma impressionarmos a Deus. Se assim vivemos, por que precisamos da mensagem da cruz? Que percepção teremos do amor de Cristo?
Uma vida marcada pelo desempenho será reflexo de uma fé não firmemente enraizada no Evangelho, confiando em falsas esperanças que prometem nos dar o que acreditamos ser mais importante que a justiça fundamentada em Jesus. A corrida por uma justiça diferente do Evangelho pode se manifestar na busca por desempenho nas obras, na família, regras, finanças ou qualquer outra coisa que admiramos mais que o próprio Senhor. Inevitavelmente, a busca por desempenho será diretamente proporcional às críticas que faremos às pessoas supostamente aquém de nossos padrões.
Mas quando eu olho para a cruz
Quando eu olho para a cruz, vejo meu pecado exposto e os padrões de Deus satisfeitos, me libertando da falsa necessidade de fingir ser quem eu não sou e tirando o peso do padrão de desempenho inalcançável por mim mesmo. É no sacrifício de Jesus em meu lugar na cruz que o meu pecado encontra solução e recebo Sua justiça (2 Coríntios 5.21): não preciso fingir. É em Jesus que meu cansaço por causa da corrida por desempenho encontra descanso (Mateus 11.28–30): não preciso “desempenhar”. A vida centrada no Evangelho nos convida à honestidade sobre nossa condição e ao descanso que a graça divina pode dar. Assim, desfrutamos do amor de Jesus e da misericórdia de Deus: confessamos quem somos, abandonamos o pecado e encontramos a Jesus, que satisfez o padrão de Deus e tem poder de nos transformar.
Para pensar:
Quais são as formas que você finge ser melhor do que realmente é? Pergunte a si mesmo “Do que dependo para ter um senso de ‘credibilidade pessoal’ (valor, aceitação, boa reputação)?”³
O que a mensagem da cruz comunica a você sobre sua tentativa de fingir ser melhor do que realmente é?
Quais são as “corridas por desempenho” comuns em sua vida?
Quais foram os resultados que você colheu quando buscou uma vida regida por desempenho?
Escreva um breve parágrafo reconhecendo como a mensagem da cruz liberta você do fingimento e do desempenho.
Editorial do Pr. Alexandre “Sacha” Mendes
¹ Thune, Robert H.; Walker, Will. A vida centrada no evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 29.
² Manser, M. H. (2009). Dictionary of Bible Themes: The Accessible and Comprehensive Tool for Topical Studies. Martin Manser.
³ Thune, Robert H.; Walker, Will. A vida centrada no evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 30.
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