“... orai também por mim”
(Êxodo 8.28)
Ao lermos apenas esta parte final do versículo citado acima, seria razoável concluirmos que se trata de uma solicitação justa de alguém que conhece e se submete ao poder do único Deus, Criador de todas as coisas. No entanto, quando nos apropriamos de todo o contexto do capítulo 8 do livro de Êxodo, vemos, para nossa surpresa, que esse era o pedido do coração duro e obstinado do grande e poderoso Faraó do Egito, que já abalado pelas pragas que evidenciavam as manifestações poderosas do Senhor, tentava negociar com Moisés um possível abrandamento da ira de Deus sobre ele e seus súditos, prometendo, em troca, a libertação do povo de Israel.
Embora Moisés já conhecesse bem toda a falsidade do caráter enganador do Faraó, ainda assim, orou ao Senhor. E, conforme havia desejado o soberano do Egito, a praga dos enxames de moscas se retirou daquele lugar. Contudo, vendo Faraó que, novamente, havia calmaria e alívio em sua terra, endureceu, mais uma vez, o coração e não cumpriu sua promessa de libertar Israel (Êxodo 8.32).
Não é incomum ao cristão genuíno, que verdadeiramente professa sua fé no Senhor Jesus, ser rodeado de pessoas incrédulas que, de forma irreverente e inconsequente, criticam e zombam de sua resignação e devoção, mas que são as mesmas que, em momentos de crise ou grande dificuldade, recorrem imediatamente a ele com um só pedido: “ore por mim”. Uma atitude que, assim como a de Faraó, revela apenas um desejo egoísta, com o fim de obter rapidamente um socorro momentâneo ou, até mesmo, determinado benefício que poderia ser alcançado pela intercessão de um justo em seu favor. Nada mais do que isso.
De certa forma, quando somos influenciados a agir de acordo com a razão humana, orar por pessoas difíceis que até já nos prejudicaram, pode se tornar um ato extremamente desconfortável. Na maioria das vezes, somos dominados pelo desejo egoísta de um coração áspero, que nos faz fechar os olhos não somente para reivindicar ajuda, alívio e piedade para nós, mas, essencialmente, exigir justiça para os outros. E, ao abri-los, nem percebemos que estamos no meio de uma multidão que ainda grita por Barrabás.
No entanto, foi o próprio Mestre Jesus que instruiu seus seguidores a desconsiderarem a sabedoria convencional daquela época ao propor algo surpreendente sobre os inimigos:
“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo, amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai Celeste...” (Mateus 5.44,45). São palavras que nos constrangem e também nos humilham, porque afastam o ressentimento, a retaliação, o autoritarismo e a desconsideração pelo ser humano ao incluir o amor através da intercessão.
De fato, há algo de errado conosco. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, mas devido ao primeiro Adão, essa imagem foi desfigurada em nós. Assim, fomos contaminados pelo pecado original que, ao mesmo tempo em que injetou a peçonha do orgulho em nossa mente, gangrenando nossas cordas vocais e nos impedindo de clamar humildemente a Deus, fez, também, penetrar o veneno do egoísmo em nosso coração que, primeiro, intoxicou toda adoração e devoção para, depois, paralisar nossos olhos, deixando-os travados na direção do nosso umbigo. É por isso que temos tanta dificuldade de orar com simplicidade, submissão e amor ao próximo. Mas, devido ao último Adão, a imagem de Deus foi novamente restaurada em nós. O sangue de Cristo vertido na cruz se tornou o único antídoto capaz de restabelecer a nossa comunhão com o Senhor e o único meio capaz de possibilitar a nossa entrega, completa e de coração, ao Pai.
Quando compreendemos que nem mesmo o mais doloroso sofrimento pôde calar a voz de um inocente que, ao mesmo tempo em que era ferido e oprimido naquele madeiro maldito, também orava pelos seus acusadores (“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” - Lucas 23.34), passamos a entender, também, que não existe qualquer obstáculo capaz de justificar o nosso silêncio.
Como discípulos de Jesus, recebemos a graça de ter, constantemente, o Espírito Santo cultivando o solo duro do nosso coração, não só removendo os desejos da carne, com todos seus lixos de paixões e concupiscências, mas, acima de tudo, fazendo brotar os frutos do amor e da alegria, da paz e da longanimidade, da bondade e da fidelidade, da mansidão, do domínio próprio, enfim, produzindo em nós uma natureza santa e um caráter espiritual maduro que, surpreendentemente, abrirão em nossa mente um caminho direto para Deus e nos farão desenvolver uma inexplicável necessidade de orar sem cessar.
Bem-aventurado, pois, é aquele que, por meio da oração, é impulsionado a cumprir, com alegria e gratidão, a incansável tarefa de promover o amor de Cristo, com o qual foi, um dia, alcançado, em contraposição ao sentimento de indiferença e ódio que atentam contra tudo o que há de mais nobre na vida.
A recompensa dos que oram, com simplicidade e amor no coração, clamando, até mesmo, pelos seus próprios inimigos, é que serão chamados filhos do Pai Celeste, ou seja, todos que intercedem, proclamando e promovendo o amor que de Deus receberam, levam a Sua imagem e Lhe pertencem como filhos.
Amém! Aleluia!
Editorial de Walter Feliciano
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