Nosso relacionamento com nossas emoções é um assunto que gerou centenas de livros ao longo dos séculos. Uma visão completa do ser humano e suas complexidades deve admitir que todos somos seres profundamente emocionais, e que isso afeta muito a forma como interagimos com o mundo. Nossas emoções influenciam nosso processo de tomada de decisão, nosso relacionamento com as pessoas ao nosso redor, nossas respostas a circunstâncias, nossas escolhas diárias... Elas são uma parte essencial de quem somos. E se pararmos para pensar um pouco, isso faz sentido; emoções são parte do projeto de Deus ao nos fazer Sua imagem e semelhança. Deus é muitas vezes retratado com discursos profundamente emocionais, sendo descrito como alguém que pode se irar, alegrar, ou mesmo ter ciúmes. Da mesma maneira, Jesus mostrou em Seu ministério terreno que é possível ter emoções piedosas, alinhadas com Seu caráter divino, sem deixar de ser perfeitamente homem. Mesmo que agora nossas emoções estejam manchadas pelo pecado, tentar eliminá-las não funciona — devemos, sim, redimi-las.
No editorial de hoje, vamos tratar sobre empatia. Empatia pode ser definida como “a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer”. Nessa definição, empatia não é uma emoção propriamente dita, mas ela normalmente gera uma resposta emocional. Além disso, empatia não é um termo derivado direto das páginas da Bíblia; boa parte da literatura envolvendo o termo é de origem não-cristã, especialmente no ramo da psicologia. Nosso objetivo neste editorial não é discutir todas as definições e nuances do termo, mas entender como podemos interagir com ele de maneira bíblica. Vamos fazer isso tentando responder a três perguntas essenciais: primeira, será que o conceito de empatia é realmente algo bíblico? Segunda, se sim, qual é a diferença entre a empatia mundana e a empatia cristã? Finalmente, como colocamos a empatia bíblica em prática?
Empatia na Bíblia
A Bíblia nos fornece tudo o que precisamos saber para analisar o nosso coração, incluindo as nossas emoções. A definição de empatia dada na introdução toca em vários outros termos que são bem explorados nas Escrituras, mesmo que o termo empatia em si nunca apareça no texto bíblico. O primeiro deles é compaixão, que tem a ideia de se identificar com o sofrimento do outro, ou de se entender tal sofrimento de maneira profunda. Esse termo é normalmente usado para designar um sentimento acompanhado de ação, o que é visto de maneira mais clara no próprio Deus. Em Êxodo 34.6 e 7 vemos que compaixão faz parte de quem Deus é, e os Salmos normalmente associam esse atributo com pedidos de livramento (veja os Salmos 90 e 135). O ministério terreno de Jesus também foi marcado por compaixão, especialmente em Seu cuidado com as multidões (Mateus 9.36; 14.14; 20.34). Mas é no Salmo 103 que vemos de maneira clara essa relação entre compaixão e identificação/entendimento:
“Como um pai tem compaixão dos seus filhos,
assim o Senhor tem compaixão dos que o temem;
pois ele sabe do que somos formados; lembra‑se de que somos pó.
A vida do homem é semelhante à relva; floresce como a flor do campo,
que se vai quando sopra o vento; tampouco se sabe mais o lugar que ocupava.”
(Salmo 103.13–16)
Mas o termo empatia parece englobar mais do que compaixão, especialmente considerando que empatia não é necessariamente associada a sofrimento, mas ao processo de se colocar no lugar do outro. Em certo sentido, podemos dizer que a didática divina inclui elementos de empatia, especialmente no uso frequente de analogias agrárias/pecuárias no Antigo Testamento, e nas parábolas de Jesus no Novo Testamento — Deus escolheu comunicar-se com o povo na sua própria linguagem, usando elementos comuns do seu cotidiano. Além disso, mandamentos no Antigo e no Novo Testamento seguem uma lógica “outro-cêntrica” que certamente se relaciona com o conceito de empatia, como ressaltado por Jesus nos Evangelhos:
“Assim, em tudo, façam às pessoas o que querem que elas façam a vocês,
pois esta é a Lei e os Profetas.”
(Mateus 7.12)
“Jesus respondeu: ― O mais importante é este: Ouça, Israel:
o Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame ao Senhor, o seu Deus,
com todo o seu coração, com toda a sua alma,
com todo o seu entendimento e com todas as suas forças.
O segundo é este: Ame ao seu próximo como a você mesmo.
Não existe mandamento maior do que estes.”
(Marcos 12.29–31)
Em suma, mesmo que empatia não apareça de maneira explícita na Bíblia, o conjunto de sentimentos e atitudes subentendidos pelo termo parecem se alinhar com o caráter de Cristo que almejamos imitar. Nesse ponto, todo cristão é chamado a “sentir” empatia, no sentido restrito de cumprir ordenanças bíblicas, especialmente as mutualidades, como veremos a seguir. Mas será que a definição mundana foca nesses mesmos objetivos?
Empatia mundana não é bíblica
Empatia como apresentada na sociedade está intimamente ligada com a vida em comunidade e relacionamentos. Intuitivamente, é mais fácil se relacionar com pessoas que “se põem no nosso lugar”, que entendem nossos sentimentos e que respondem de maneira apropriada; pessoas que não tem empatia normalmente são vistas como antissociais ou egoístas. De fato, empatia é algo bom e desejável em qualquer relacionamento, e que muitas vezes surge quase naturalmente em cristãos e não-cristãos — um resultado de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, que é amoroso e compassivo. Porém, de maneira geral, o conceito de empatia não considera que o homem natural está sujeito a um coração essencialmente pecaminoso. Assim, muitas vezes empatia se transforma num simples processo de validação de desejos e atitudes, e exclui a educação na justiça e confrontação de pecado. Empatia mundana, nesse caso, é apenas uma habilidade social útil para se cultivar relacionamentos sem conflitos, mas não necessariamente piedosos. A Glória de Deus, que é o objetivo final de tudo o que fazemos aqui, não é levada em conta.
Empatia cristã, por outro lado, é melhor caracterizada como amor e compaixão, e é extremamente prática. É imitar o caráter de Cristo, trazendo encorajamento, consolo, confrontação ou instrução, dependendo da situação. É entender que o fato de que o pecado afeta cada área da nossa vida, mas que Deus, em Cristo, proveu não só os recursos necessários para lidar com tais efeitos de maneira piedosa, mas também nos deu o perdão que tão desesperadamente precisávamos. É compartilhar das alegrias e dificuldades de outros irmãos sabendo que Deus é o doador e sustentador de todas as coisas, e que tudo o que recebemos aqui vem da Sua mão bondosa.
Empatia bíblica em prática
Romanos 12 nos mostra as consequências práticas do Evangelho exposto nos primeiros onze capítulos da carta, que tomam forma de instrução para a igreja:
“O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem‑se ao que é bom.
Dediquem‑se uns aos outros com amor fraternal,
preferindo dar honra aos outros mais do que a vocês. Nunca falte a vocês o zelo;
antes, sejam fervorosos no espírito, servindo ao Senhor.
Alegrem‑se na esperança, sejam pacientes na tribulação, perseverem na oração.
Compartilhem o que vocês têm com os santos que estão em necessidade e procurem ser hospitaleiros. Abençoem aqueles que os perseguem; abençoem‑nos, não os amaldiçoem. Alegrem‑se com os que se alegram e chorem com os que choram.
Tenham a mesma atitude uns para com os outros; não sejam arrogantes,
mas estejam dispostos a associar‑se a pessoas humildes.
Não sejam sábios aos seus próprios olhos.”
(Romanos 12.9–16)
É fácil perceber que as ordenanças de Paulo tocam, mais uma vez, na definição de empatia (Alegrem‑se com os que se alegram e chorem com os que choram...), mas ela é muito mais profunda que simplesmente uma “capacidade de se identificar com outra pessoa”. O resultado da obra de Cristo no crente por meio do Evangelho é um profundo amor fraternal que transborda do (e é modelado pelo) amor de Deus por nós. A comunhão que temos em Cristo leva a vidas que compartilham as cargas em oração e suporte mútuo, colocando sempre os interesses dos outros na frente dos nossos. Isso tudo com o grande objetivo de glorificar a Deus, mostrando Sua graça e bondade para um mundo que nos assiste.
A Bíblia nos chama a muito mais do que uma empatia mundana; e, na verdade, é impossível obedecer aos mandamentos acima pela nossa própria força. Mas graças a Deus por Cristo, que mais do que entender a nossa situação desesperadora e se compadecer dela, agiu em nosso favor tomando o nosso lugar diante da ira divina. Sendo Deus, Jesus, se tornou homem como nós e morreu a morte que todos merecíamos para que fôssemos reconciliados com Deus (Filipenses 2.1–11). Seu sacrifício em nosso lugar foi maior que qualquer sentimento de empatia como definido pelo mundo. Mas as Boas-novas não param por aí: Jesus hoje vive como nosso perfeito Sumo sacerdote, que por ter passado pelas mesmas coisas que passamos, é capaz de se compadecer das nossas fraquezas (Hebreus 4.14–16). É nEle que colocamos a nossa esperança, confiando que recebemos tanto o perdão dos nossos pecados, quanto a força no Espírito Santo para enfrentarmos qualquer situação.
Editorial de Petrônio Nogueira
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