Você já ouviu falar na expressão “fear of missing out” ou “FOMO”? Sua tradução direta é algo como “medo de estar perdendo”, e passa a ideia de um sentimento ruim quando não se está aproveitando alguma coisa que está acontecendo no momento, ou a sensação de estar sendo “deixado de fora”. “FOMO” é um termo que se popularizou nos últimos anos e tem sido associado com depressão, ansiedade e uma deterioração da qualidade de vida de maneira geral. É interessante notar que esse fenômeno começou a ser observado depois da ascensão de rede sociais como Facebook, Instagram e TikTok. Esses aplicativos nos dão acesso direto a experiências que estão acontecendo agora. Temos a impressão de que podemos saber tudo sobre todos, desde shows na nossa cidade até informações sobre guerras do outro lado do mundo. E, afinal, quem não quer ser uma pessoa bem-informada, certo? Mas ao mesmo tempo, o consumo de informações parece não ter fim... Na prática, queremos cada dia mais ser oniscientes e ter todas as informações em primeira mão. Ou queremos ser onipresentes e aproveitar um pouco do que os outros estão experimentando. Parece que nunca foi tão chato estar realmente presente em um único lugar.
Talvez um dos grandes problemas que enfrentamos como cristãos é entender como diferentes elementos da nossa cultura se relacionam com a nossa fé, e isso inclui nossas interações online. Nosso objetivo nesse editorial não é tratar especificamente sobre isso, mas ir um pouco mais a fundo e entender os motivos por trás dessa busca incessante por conteúdos digitais e seus efeitos nas nossas vidas. Com isso claro, vamos tentar entender, usando a Bíblia, para o que somos efetivamente chamados a fazer.
A tentação no Jardim é a mesma hoje
Como quase todas as coisas, é importante começarmos pelo início. Os primeiros capítulos de Gênesis narram como o universo foi criado: Deus falou, e tudo teve forma. Como a Sua presença se estende em todas as direções do tempo e do espaço, o conceito de localidade era, de certa maneira, irrelevante. Mas as coisas mudam quando Deus cria o homem. Em Gênesis 2, a linguagem se torna específica; agora Deus coloca o homem num lugar físico (o Éden), com uma geografia bem definida (entre quatro rios). E é ali que Deus irá se relacionar com o homem e dar as Suas instruções.
“O Senhor Deus tomou o homem e o pôs no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo.
E o Senhor Deus ordenou ao homem:
― Coma livremente de qualquer árvore do jardim.
Mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal,
porque, no dia em que comer dela, certamente você morrerá.”
(Gênesis 2.15–17)
Um ponto interessante no texto acima é o fato de que Adão estava limitado a um único lugar. Diferente de Deus, que enche o universo, Adão não enchia nem mesmo um metro quadrado da terra em que habitava. Mais do que isso, ele não tinha todas as informações em si mesmo, mas dependia de Deus para ensiná-lo sobre a terra que havia sido criada. Tragicamente, o momento em que Adão tenta ter algum conhecimento adicional independente de Deus é justamente quando ele comete o pecado original. É importante notar essas limitações porque elas nos mostram que o fato de não sermos oniscientes ou onipresentes não é um produto do pecado, mas simplesmente oriundos do fato de que não somos Deus! Como criaturas (e não criador), temos limitações — e isso não é necessariamente uma coisa ruim.
As redes sociais (ou ao menos o seu conceito) não são ruins em si mesmas, mas elas enfatizam um problema antigo, que teve sua origem no jardim: a tentação de ser como Deus. Esse foi justamente a base do argumento da serpente, sendo uma das coisas que fez aquele convite ser tão apelativo.
“A serpente disse à mulher:
― Certamente não morrerão!
É que Deus sabe que, no dia em que comerem dele,
os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus,
conhecedores do bem e do mal.”
(Gênesis 3.4 e 5)
Nossa tentação hoje é semelhante à de Eva. Não nos contentamos em ser limitados, e nessa busca de estarmos em vários lugares ao mesmo tempo, prejudicamos nossa mente, nossos relacionamentos e até mesmo o nosso convívio com Deus em oração e leitura da Sua Palavra. Mas como resistir então? Felizmente, Deus não nos deixa sozinhos nessa batalha, e nos dá todos os recursos para termos uma resposta diferente da de Eva. E tudo começa ao entendermos nossa real missão nesse mundo.
Afinal, qual é a minha missão?
Ao pensar nessa pergunta, a primeira passagem que vem à mente da maioria de nós é Mateus 28.19 e 20, conhecida como a Grande Comissão. Em segundo lugar vem Gênesis 1.28, com o chamado de sujeitar a terra. Ambas são missões globais, em certo sentido, e parecem exigir habilidades que vão além das nossas capacidades. E elas realmente exigem. Mas a Bíblia também é cheia de instruções específicas que têm um caráter local: somos chamados a nos dedicarmos uns aos outros com amor fraternal (Romanos 12.10), a compartilhar com aqueles que passam necessidade e ser hospitaleiros (Romanos 12.13), a buscar a paz e a edificação mútua (Romanos 14.19), a cuidar da nossa família (1 Timóteo 5.8). Cada uma dessas “sub-missões” são maneiras pelas quais Deus trabalha em nós (e por meio de nós) para cumprir a Sua missão de alcançar o perdido e edificar o Seu povo.
Para muitos de nós, fazer grandes coisas para o Reino de Deus não será algo tão claro quanto fazer missões em países não alcançados, ou seguir um ministério pastoral — somente alguns serão chamados a isso. Mas todos nós somos chamados a sermos fiéis hoje, onde quer que estejamos, servindo com os dons que Deus nos deu (Romanos 12.6–8). Isso ocorre exatamente onde estamos, não do outro lado das telas. E isso demanda nossa completa atenção e foco no aqui e agora, especialmente às pessoas ao nosso redor.
Redes sociais podem ser uma bênção (especialmente se você mora do outro lado do mundo e quer manter contato com irmãos que moram longe), mas não podemos esquecer que Deus nos colocou em um lugar específico, com missões específicas. E a enxurrada de informações que encontramos nas redes sociais muitas vezes nos distraem daquilo que Deus nos chamou a fazer. Não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, só Deus é onipresente! Só Deus sabe todas as coisas, porque Ele sustenta todas elas! E tentar ser como Deus só nos trará sofrimento, angústia e à compreensão de quão impotente somos. Mas essa é a má notícia que precede a boa: Deus conhece a nossa incapacidade. Tudo aquilo que Ele nos ordena a fazer, Ele nos capacita a fazer. E isso engloba tanto coisas complicadas como missões transculturais, como aquelas aparentemente simples, como consolar um irmão ao nosso lado.
Editorial de Petrônio Nogueira
Editorial baseado em “Faithful Presence Where Your Feet Are” de Adam Ramsey (https://www.thegospelcoalition.org/article/faithful-presence/)
Comments